quinta-feira, 26 de julho de 2012

SOBRE O MOMENTO CERTO DE SE MOSTRAR UMA CANÇÃO


Quando o teu tempo e o meu tempo convergirem,
Quando compartilharmos o exato ponto
Onde dois corpos quase ocupam o mesmo lugar no espaço,
Quando a gota de chuva que molha o rímel do teu cílio
Explodindo em inúmeras menores gotas negras
Sarapintar microscopicamente a ponta do meu nariz,
Quando a minha respiração e a tua respiração formem um vapor esquisito,
Quando a ponta do teu peito no frio da chuva
Espetar a pele do meu peito por cima de duas camadas de tecido
Que os separam,
Quando a flor do ipê amarelo estiver indecisa sobre onde cair,
Se em ti ou se em mim,
Ou uma banda em cada,
Como um raiozinho de sol teimoso no meio de tanta água,
Neste momento te mostrarei minha canção azul.

MEME #2 OU "A MOÇA DE VESTIDO CINZA"



NAS ASAS DE UM BESOURO

- Você toca algum instrumento musical?
- Toco. Flauta doce. Por que a pergunta?
- São escassas as palavras agora, mas tentarei explicar: teus olhos solfejam a verdade escondida com esforço, o desejo de ter o céu, mesmo no tempo do bater das asas de um besouro. O que há aí é teu tesouro, cujas vitrines são esses teus olhos musicais.
- Como você sabe tudo isso de mim? É um tipo de vidente ou algo parecido?
- Sou vidente, contudo não do tipo que enxerga o que há para acontecer. Ver o futuro é alterar o futuro. Não gosto de bagunçar as coisas. Eu apenas olho mais demoradamente para o instante, para o já, a fim de enxergar o que passa ligeiro à cara dos desapercebidos.
- Isto é uma cantada?
- Sim. É uma cantoria de versos bem humildes, porque as palavras me são poucas em diversidade.
- Você não entendeu o que eu disse?
- Entendi. Você perguntou se é uma cantada e eu respondi que sim.
- Sabia que você é muito hábil no uso das palavras?
- Tem certeza que quer começar a falar de mim?

PRIMEIRO POEMA SOBRE TUA SINA

Te deram nove espinhos.
Em mim doeu cada um, dos nove.

Toda lágrima tua era um rio inavegável.
Se nadar tentasse,
Morreria por afogamento em água e sal.
Se nada tentasse,
Morreria por desgosto ante o meu fracasso.

Me plantei entre os dois.
Percorri o caminho do meio.

Quando me apercebi,
Me fitavas com teus olhos vesgos.

Afastei-me de ti,
Como quem corre da dor de saber a hora da morte.

Só então entendi que a angústia de saber a morte
É muito mais doída que morrer enfim.