Segunda-feira,
retorno de feriado prolongado: fuga em massa dos balneários em direção à Meca dos
desprevenidos – a fila do banco. Qualquer banco. Público, privado, com ou sem
estrelas. Mas com gente. Muita gente. E gente falando ao telefone. E telefones
tocando com gente de fora da fila querendo falar com gente que está na fila. Incrível
como se pode saber de detalhes curiosos a respeito da vida de um desconhecido
ouvindo trinta segundos de conversa ao telefone celular. Sabe-se de tudo. Em trinta
segundos apenas.
Marido
ao telefone com a esposa:
- Ainda estou no banco. Não, não, não. Sim, não. N...ão,
sim, quero. Quero sim. Quero o meu bife bem passado. Tá, tá, deixa tampado, que
vou demorar muito.
Marido
ao telefone com a amante:
- Oi, benzinho (com uma voz desajeitadamente dengosa), tô quase
saindo daqui, viu? Sim, sim, sim. Sim, s....sim, claro. Levo sim. Não precisa
se incomodar, nem estou com fome. Sim, s...sim. Quanto meu benzinho quer? Te
amo – pausa do outro lado – te amo, ouviu? Já disse que você pode dizer que me
ama, benzinho. Não tenha vergonha do nosso amor. Te amo.
Marido
ao telefone com a esposa de novo:
- Já não te falei que tô no banco? Morrendo de fome, claro!
A minha senha é a 953, agora que tá na 207. Vou demorar sim. Tá, bom, tchau.
Hã? Por que eu nunca respondo quando você diz que me ama? Ainda preciso falar? Fica
na linha, que tem alguém do serviço ligando aqui. Peraí, peraí.
Marido
ao telefone com a amante na chamada ativa e a esposa na chamada em espera:
- Oi, benzinho... Por que? Meu benzinho não tá se sentindo bem?
Tá bom, benzinho, a gente se vê amanhã. Te amo, tchau (Marido esquece de
desligar a chamada da amante).
Marido
de volta ao telefone com a esposa:
- Um milagre aconteceu. Um amigo passou mal e me deu a
senha. Sou o próximo da fila. Devo chegar em casa daqui a pouco. (Marido olha o
telefone e percebe a chamada da amante ainda ativa. Tenta alternar as chamadas,
mas permanece na chamada com a esposa.)
Parêntese:
Houve
um súbito silêncio. Silêncio maior do que os segundos que antecederam a criação
do mundo. Repentinamente, toca um telefone, depois outro, e mais outro, e
outro, e outro, e outro... Um curió. Dois curiós, gargalhadas de bebês, bem-te-vis,
galinhas, cães, gatos, mais curiós, e,
pasmem, um porco no momento de sua castração. Cuí, cuí, cuí, cuí, cuí. Quem usa grito de porco sendo castrado
como toque de celular?
- Benzinho, te amo... tá aí ainda? Cl... cl... claro que te
chamo de benzinho. Te chamo de benzinho direto! Todo dia, você é que não
percebe nada em mim. Não queria tanto que dissesse que te amo, depois de todos
esses vinte anos de casamento? Então, falei.
O dono
do telefone com toque de porco continuava sem atendê-lo. Cuí, cuí, cuí, cuí, cuí, cuí,
cuí, cuí, cuí, cuí... Quem usa grito de porco sendo castrado como toque de
celular? Celular não tem uma opção para só vibrar no bolso ou bolsa? Precisa realmente do porco?
Precisa?