quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Continuação das reflexões sobre o episódio do celular


Nota: a fotografia chama-se "Coisas de adultos"

O que me causa espando no episódio dos dois adolescentes e a playlist do celular é o processo de coisificação a que se submete voluntariamente o ser humano no capitalismo tardio. Tal mutilação da consciência é algo deveras preocupante. A possibilidade da experiência estética decorrente do contato com a música é substituída claramente pela observação da posse ou não de determinados hits na memória dos media players e sua avaliação conforme a idade de cada canção.
Quando o jovem mancebo afirma categoricamente que o celular de sua colega é "bom", pois as músicas ali armazenadas são muito recentes, observa-se um fenômeno curioso: não é a mercadoria "celular" que é avaliada naquele momento, pois, por sua capacidade de reprodução de arquivos mp3 já se pressupõe que este seja atual - de acordo com critérios mercadológicos.
O que há de se destacar é o componente comportamental do referido episódio: a finalidade a que o aparelho é destinado, que é a de divulgar gratuitamente a repetição do sempre-igual em músicas lançadas sob rótulos diferentes; tal comportamento (pelo que se pode observar) é algo que se busca entre os adolescentes como forma de inclusão social e alcance de popularidade. O uso da mercadoria torna-se mais importante do que sua posse, já que a pressupõe.
Os comportamentos estereotipados e a repetição mecânica das ordens ou comandos proferidos pelas canções tornam-se o padrão aceitável socialmente. Identifica-se com a coisa na tentativa de ser como ela. O espelho em que se mira o sujeito é sua heteronomia sedimentada na superfície pálida onde imprime a máscara a ser usada como identidade aceitável. Cada quadrado, como diria a canção, faz parte da imensa caixa de entrega repleta de re-action figures organizada de acordo com o gosto que fora determinado para sua idade, sexo ou classe social. Enquanto isso a barbárie destrói laranjeiras sob a flâmula da libertação do campo.


O gato branco
E seu olhar de gente curiosa fitam meu colete à prova de mim

Uma mosca distrai o gato branco
Enquanto
Mosco em meu sofá azul - que existe -

O gato e seu olhar
São dois

O fogo dança
Na lareira que não existe
Na lareira de que não preciso
Na lareira.

O fogo e sua dança
São muitos
Que não sei contar.

Quantos sou enquanto mosco
Em meu sofá azul?

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Sobre a fetichização da música e as "rock bands"



Há aproximadamente sessenta anos atrás questionava-se a fetichização música e sua redução ao simples formato do refrão, da repetição fatigante das mesmas frases que nada tinham a dizer, ou ainda, da sua redução à repetição do tema, o que adestrava sobremaneira o ouvido para reconhecer imediatamente os produtos da indústria fonográfica. Era um motivo de grande preocupação para os teóricos da área, uma vez que a própria música deixava de ser uma forma de expressão artística autônoma para tornar-se mais uma mercadoria, com seu obsoletismo precoce muito bem definido pelas paradas de sucesso.
O que fora afirmado acima já era um pesadelo para os defensores não só da música, mas como de qualquer manifestação artística que se pretendia séria. Hoje em dia, os "heróis da guitarra" e as "bandas de rock" (evolução das bem-sucedidas máquinas de "Pump", jogo de fliperama que tem como objetivo pisar rapidamente nas cores pré-determinadas que a máquina irá ordenar, simulado uma dança, em virtude do frenesi em que as cores são mudadas na tela e da música que acompanha tal processo), são a radicalização da perda de percepção estética dos indivíduos. O mecanismo é o mesmo das máquinas de pump, ou seja, no brinquedo em forma de guitarra ou de bateria existem botões coloridos, e estes devem ser acionados de acordo com os comandos que surgirem na tela, de modo que, se for executada a sequência correta, o indivíduo marcará mais pontos no jogo. Quem repetir melhor e com mais rapidez o processo marcará mais pontos, e assim sucessivamente. Não há mais espaço para o aprendizado de técnicas reais de execução de um instrumento musical. Não há mais espaço para a criação de músicas. O sujeito é, por vontade própria, aprisionado em frente à tela do computador, da televisão, do celular, para repetir passivamente os comandos que lhe são dirigidos como um bizarro imperativo categórico, uma vez que não há fim a se buscar em tal processo: a repetição passa a ser um um fim em si mesmo, independente do prazer que o indivíduo alcançará (na realidade, não há prazer, mas o cumprimento de uma ordem que se torna elemento constitutivo do próprio sujeito). O que devemos pensar sobre isso? Qual o próximo passo na reificação do sujeito? Se me for permitida a comparação com o openkore, nos comportamos como verdadeiros bots, que seguem as linhas de comando pré-determinadas pelo capitalismo tardio. A cultura do refrão limitava a criatividade do indivíduo, que, em seu processo criativo, já visualizava o próprio refrão como objetivo de uma canção a ser composta, que "faria sucesso". Já a cultura das "rock bands" leva a cabo o que fora dito na Dialética do Esclarecimento, a respeito de nos assemelharmos aos computadores, mas como cópias imperfeitas destes.