quarta-feira, 28 de setembro de 2011

DOUBLE TROUBLE


Double trouble. Ironicamente, era a música tocada no aparelho de som do carro, quando tocou seu telefone.

- Alô.
- Já tá chegando?
- Onde?
- Você não marcou comigo, criatura?
- É mesmo. Já tá aí?
- Qualquer lugar em que eu esteja é aqui, para mim.
- Você entendeu. Espera, tem uma outra chamada aqui. Alô.
- Você não vem mais?
- Sim, vou sim, só estou resolvendo um problema, mas chegarei em vinte minutos ou menos.
- Não demore.
- Oi, voltei.
- Onde a gente marcou mesmo?
- No posto de gasolina. Deixo o meu carro aqui e vamos no seu.
- Em que posto mesmo? Espera, outra chamada aqui.
- Estou com pressa, você não vem?
- Vou, vou sim. Onde marcamos mesmo?
- Na frente da casa da minha vizinha, que é para não gerar suspeitas.
- Ok.
- Não demore.
- Alô, voltei. Em que posto você está?
- Posto? Não tô em posto nenhum, tô em casa.
- Ok, ok. Tô indo praí.
- Não, não vem. Não tem como a gente se ver agora. Liguei pra avisar.
- Tá, tá.
- Oi, alô.
- O frentista já veio aqui umas duzentas vezes perguntar se quero álcool ou gasolina.
- Já combinou com a tua vizinha?
- Que vizinha?
-  Nada, estou ficando doido. Já estou a caminho. Só atender um telefonema aqui.
- A vizinha perguntou se você pode passar na loja de conveniência do posto e comprar sorvete pro filho dela.
- Claro, claro. Comum ou aditivado?
- Hã?
- Já estou a caminho. Alô, estou de volta.
- Tudo bem. Está com as flores?
- Que flores?
- Esqueceu que vamos a um velório?

***

sábado, 17 de setembro de 2011

SEM ESTRELAS


- Ah, escrevi um texto pra ti.
- Sério? Me mostra!
- Aqui. (tira do bolso da camisa – embora moleque, coisa de homem com data de nascimento antiga – o papel amassado)
                Ela o lê.

“Você é um pedacinho
De cada coisa boa no mundo
Que vem tal aquele gosto de infância
Que deixa saudade ao partir

É aquela estrela de que fala a música

Quando sentir minha falta
E quiser me achar
Siga a trilha de corações
Que rabisquei no céu”

                Ela nada diz. Dobra o papel e o devolve.

- Não gostou?
- Gostei. Muito. Mas poesia não é pra mim. Minha vida não tem poesia.

                E foi embora, deixando atrás de si a trilha das suas sandálias de borracha. 

terça-feira, 6 de setembro de 2011

PRESENÇA


É um calor.
É uma presença flamejante.
É pedaço de fogo oscilante que vem e vai
E vem
E vai.
Tamanha é a presença ardente, me transmuto em brasa
 - Nem água me apaga.
De mim nem cabelos restam,
As roupas menos ainda.
É o meio-dia.
É a carvoaria por dentro e por fora.
Quanto mais mentira, mais fogo.
Consome a mentira e mais lenha há nesta fogueira.
É a presença luminosa.
A tua presença luminosa.