domingo, 19 de setembro de 2010

ESCRITO COM O DEDO INDICADOR

Será uma mordaça capaz de calar o poeta?

O quebrar de seus dois braços

Abortará seu sótão multigrávido de idéias?

Engessar seu pé esquerdo

Cessará seu passeio sereno sobre as cinzas deste seco chão?

Digo que não.

Podem quebrar todos os ossos de seu corpo

E privá-lo de todos sentidos.

Se houver memória, haverá poesia.

Haverá o poeta.

domingo, 5 de setembro de 2010

DOIS CAFÉS. DIGO, UM.

O poeta estava puto. Há mais de oito dias sem escrever uma linha, encontrava-se à beira da sanidade. Necessitava de alguma loucura para criar. Tudo era tão cotidiano, que o irritava profundamente.

- Marcos, traz um café com leite por favor.

- Mais café do que leite?

- Sim.

- Açúcar ao invés de adoçante?

-As coisas com adoçante ficam com sabor de adoçante, e não das coisas. Uma vida apenas com adoçante como opção seria insuportável. Nem seria vida.

- Eu nunca entendo dessas coisas, Sr.

O poeta indagou-se silenciosamente se poderia sentar-se em um real café, ser atendido por um garçom chique e pedir um expresso pensando em como por no papel as dores do mundo. Mas na realidade estava em uma loja de conveniência de um posto de gasolina, ouvindo pessoas com sotaques feios falarem sobre tudo na vida, exceto sobre poesia.

Uma garota magra entra na loja. Veste uma malha cor-de-rosa, jeans e leva nos pés sandálias brancas de plástico, cada uma adornada com um laço. O sutiã com estampa xadrez escapa por entre as reentrâncias da malha, enquanto o poeta a observa indiscretamente. Ela o ignora, senta-se na elevada cadeira de alumínio, enquanto a calça de cintura baixa deixa escapar uma calcinha preta, também decorada com um laço. Haveria mais laços onde o jeans não permitia a visão da calcinha? O poeta corou.

- Marcos, papel e caneta. E mais um café por favor.

- Mais café do que leite?

- Sim.

- Açúcar ao invés de adoçante?

- Sim, Marcos.

O poeta pôr-se a escrever sobre a moça magra de longos cabelos ruivos, com mechas loiras, provavelmente caras de algum salão de beleza.

ELA ALVA

Alva, com olhos amendoados.

Compridos cabelos, da cor de cobre.

Olha para o infinito. E além?

As mãos cerradas uma à outra. Vermelhas.

Sandálias brancas, pequena ela. Via outros,

Mas não se via diante do espelho.

O poeta puto por não poder criar.

E ela, o que era?

Era uma fotografia do porvir.

Na verdade ela não era alva, era como uma índia. Os cabelos não eram ruivos, eram negros. E Marcos, nervoso, na hora de entregar o café, derramou-o sobre o poema, inutilizando-o. O poeta? O poeta estava como qualquer outro: puto.