sábado, 29 de janeiro de 2011

O QUE COMEM OS ANJOS

            Dentro de uma casa improvisada, em uma invasão recente da área três, a criança sujinha trava um diálogo com sua mãe:

- Mãe, o que acontece quando a gente morre?

- Depende. Se fez coisas boas vai para o céu. Se for criancinha, como você, vira anjo.

- E o que anjo come?

- Anjo não come.

- A gente já é anjo?

- Não.

- E o que falta?

- As asas, minha filha. As asas.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

ALUMBRAMENTO

Era um alumbramento.

Juntava em torno de si todos os miniplanetas quando caminhava.

Dona de todas as cores era ela,

Até das que eu nunca imaginei saber.

Não perguntei seu nome,

Não no primeiro dia,

Pois os seus sapatos me meteram medo.

No segundo apenas observei, escondido atrás da moita dos meus óculos.

Quando, finalmente, ao terceiro dia,

O balão de aniversário do meu peito encheu-se de coragem,

Ela faltou ao trabalho.

Quando curei a preguiça que adoecia minha coragem,

Ela não foi.

Nunca saberei por que faltou.

Nunca saberei seu nome.

Mas o papel amarelado da minha memória sempre guardará

As cores das quais era dona,

E seus passos de mulher determinada,

Com aqueles sapatos que me meteram medo.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A CAIXA

            Era o dia mais esperado do mês: receberia, finalmente, a caixa. Esperou-a pacientemente durante quarenta e sete dias. Já era hora de chegar. Moveu-se o mais rápido que pode à portaria.

 

            - Chico, chegou alguma caixa pra mim?

- Não. – respondeu o porteiro com sua habitual expressão inalterável.

 

            Deu prosseguimento a todas as suas atividades previstas, voltou para casa e dormiu. No dia seguinte:

 

- Chico, alguma caixa pra mim?

- Não. – e sorriu discretamente para o morador.

 

            Fez tudo o que deveria fazer. Voltou para casa e dormiu. Era o terceiro dia.

            Quarto dia:

 

- Chico, alguma caixa pra mim?

- Hoje não. – o riso agora era evidente.

           

            “Estará este filho da puta rindo de mim?”, e seguiu para mais um dia de atividades. Voltou para casa mais cedo, para dormir mais cedo, e acordar mais cedo, a fim de não correr o risco de a caixa ser interceptada equivocadamente por algum outro morador.

            Quinto dia.

 

- Chico, algu...

- Não, não. – Chico já estava a se divertir com a presepada. – quem sabe amanhã, né? Tudo é uma questão de sorte! – o morador saiu contrariado, deixando para trás o porteiro que gargalhava.

 

            Fez tudo morosamente naquele dia. Enrolou até quando pode no trabalho. Chegou em casa mais tarde, assistiu a um filme qualquer na televisão, e dormiu depois da meia-noite. Acordou tarde naquele sexto dia, pois era domingo. Ninguém faria entregas no domingo.

            Decidiu almoçar fora. Ao cruzar a portaria, Chico o interpelou:

 

- A caixa chegou.

- No domingo?

- Sim, chegou cedo.

- Cadê?

- Os caras da transportadora disseram que só entregariam para o destinatário. Interfonei para o teu apartamento, mas ninguém atendeu.

 

- E a caixa?

- Levaram de volta.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

PRESTAÇÃO DE QUE?

Era mais uma tarde em meio a todos os papéis de prestação de contas. Duas loiras denominadas, respectivamente, de Loira 01 e Loira 02, organizavam o que parecia inorganizável.

Loira 01: Me dá furador?

Loira 02: Quer furar o que?

Loira 01: O olho do próximo que me aparecer aqui para entregar prestação de contas fora do prazo.

Desavisado: é aqui que a gente entrega prestação de contas?

Loira 01: ...