Dizem que a curiosidade matou o gato. Sara Jennifer pensava em como a falta de curiosidade matou o homem. E o homem dentro do homem. “Povo sem graça, só pensa em coisas da moda, não tem identidade. Todo mundo quer ser igual. É o planeta dos sem-rosto, credo”.
Chegara em casa mais tarde que o habitual, depois de uma desagradável discussão com sua melhor amiga, que resolvera mudar radicalmente de pele, seguindo a tendência dos “coloridos”. Lembrou:
- Que merda de visual é esse, Joyce?
- É o visual restart, meu bem. Significa reiniciar, começar de novo, fazer algo diferente. Agora sou nova, ninguém é igual a mim.
- Ninguém, exceto por todos os outros coloridos, né?
- Hã?
- Hã nada, Joyce! Negócio de pulseirinha verde berrante de espiral, calça rosa e camisa azul-bebê. Vitório, vem cá!
- Que é?
- O que você acha dessa nova aparência da nossa colega?
- Porra de armação rosa sem lente, tá doida?
- Não é doida, meu bem, é moda.
- Moda é o meu ovo. Ano passado, se alguém aparecesse com armação sem lente aqui na escola, todo mundo chamaria de doido. Agora é moda. Tomar lá longe...
- Você não entende do mundo fashion, Vitório.
- Mas entendo de gente escrota. E agora gente escrota colorida.
- Joyce, sai dessa, minha filha. Se te mandarem raspar a cabeça e fazer tatuagem de air bender você vai fazer também?
- Se me fizer única, sim.
- Ai, meu ovo do meio! Joyce de avatar aqui na escola, já pensou? Essa eu faço questão de filmar e por no Youtube.
Sara, que tinha consciência de onde tal conversa pararia, finaliza:
- Atenção vocês dois, vou filosofar agora, e acabar com esse papo furado: cada um é cada um, mas sabe o que a merda, digo, a moda, faz? Taca máscara na nossa cara sem pena. Aí esse povo sem noção vira tudo de ponta a cabeça, dizendo que ser o que a moda ensina é o diferente, e que ser você mesmo é falta de estilo. Vamos tomar uma coca-cola antes que o recreio acabe, que estou com sede.