domingo, 27 de novembro de 2011

BEM-NOVO-QUERER


A medida do teu cansaço é o tamanho dos sóis que te queimam a pele
A tua beleza resiste. Guerra de astros como em contos helenos,
mas o que é mais forte vence.
Vence.
Ouve-se violões ao longe, nem tão longe, de ciganos.
Não se distingue o que se canta,
mas o lamento é de bem querer.
Bem te quero e te pergunto quando te cobrirá a água do próximo inverno,
que virá sem neve, como os outros.
A imensidão de teu corpo é menor que a palma de uma criança.
Ciganos aproximam-se.
Quero me esconder no meio de tuas folhas, porque um dia lá estive. Ao menos por um dia cinzento.
Toque-me no tempo certo da noite que nunca chega,
com esta pele queimada por vários sóis em fúria.
Então esperarei baixarem as águas novamente.

(poema do ano de 2004, não me lembro o mês)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

PRIMEIRO POEMA SOBRE A MENTIRA


Quando quiseres enganar alguém,
Não dê a entender que não enganas.
Deixa habilmente o vapor do teu veneno escapar
pelas pequenas frestas entre dentes
- este veneno é a ilusão. É o torpor da poesia de quem mente.
É como o sol a iluminar e cegar no mesmo rastro.

A mentira esconde-se detrás de uma parede de papel.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

DOUBLE TROUBLE


Double trouble. Ironicamente, era a música tocada no aparelho de som do carro, quando tocou seu telefone.

- Alô.
- Já tá chegando?
- Onde?
- Você não marcou comigo, criatura?
- É mesmo. Já tá aí?
- Qualquer lugar em que eu esteja é aqui, para mim.
- Você entendeu. Espera, tem uma outra chamada aqui. Alô.
- Você não vem mais?
- Sim, vou sim, só estou resolvendo um problema, mas chegarei em vinte minutos ou menos.
- Não demore.
- Oi, voltei.
- Onde a gente marcou mesmo?
- No posto de gasolina. Deixo o meu carro aqui e vamos no seu.
- Em que posto mesmo? Espera, outra chamada aqui.
- Estou com pressa, você não vem?
- Vou, vou sim. Onde marcamos mesmo?
- Na frente da casa da minha vizinha, que é para não gerar suspeitas.
- Ok.
- Não demore.
- Alô, voltei. Em que posto você está?
- Posto? Não tô em posto nenhum, tô em casa.
- Ok, ok. Tô indo praí.
- Não, não vem. Não tem como a gente se ver agora. Liguei pra avisar.
- Tá, tá.
- Oi, alô.
- O frentista já veio aqui umas duzentas vezes perguntar se quero álcool ou gasolina.
- Já combinou com a tua vizinha?
- Que vizinha?
-  Nada, estou ficando doido. Já estou a caminho. Só atender um telefonema aqui.
- A vizinha perguntou se você pode passar na loja de conveniência do posto e comprar sorvete pro filho dela.
- Claro, claro. Comum ou aditivado?
- Hã?
- Já estou a caminho. Alô, estou de volta.
- Tudo bem. Está com as flores?
- Que flores?
- Esqueceu que vamos a um velório?

***

sábado, 17 de setembro de 2011

SEM ESTRELAS


- Ah, escrevi um texto pra ti.
- Sério? Me mostra!
- Aqui. (tira do bolso da camisa – embora moleque, coisa de homem com data de nascimento antiga – o papel amassado)
                Ela o lê.

“Você é um pedacinho
De cada coisa boa no mundo
Que vem tal aquele gosto de infância
Que deixa saudade ao partir

É aquela estrela de que fala a música

Quando sentir minha falta
E quiser me achar
Siga a trilha de corações
Que rabisquei no céu”

                Ela nada diz. Dobra o papel e o devolve.

- Não gostou?
- Gostei. Muito. Mas poesia não é pra mim. Minha vida não tem poesia.

                E foi embora, deixando atrás de si a trilha das suas sandálias de borracha. 

terça-feira, 6 de setembro de 2011

PRESENÇA


É um calor.
É uma presença flamejante.
É pedaço de fogo oscilante que vem e vai
E vem
E vai.
Tamanha é a presença ardente, me transmuto em brasa
 - Nem água me apaga.
De mim nem cabelos restam,
As roupas menos ainda.
É o meio-dia.
É a carvoaria por dentro e por fora.
Quanto mais mentira, mais fogo.
Consome a mentira e mais lenha há nesta fogueira.
É a presença luminosa.
A tua presença luminosa.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Fresta

O raio de sol entra por uma fresta.
É uma lâmina cortando a sombra.
A poeira se ilumina, dançando sua dança confusa.
Pela fresta entram também o ar e o som.
Ar, som.
Raio de sol.

sábado, 28 de maio de 2011

Dia de integração entre família e escola em Marabá.

Participei, como voluntário, das atividades realizadas na fl 12. Foi lindo. Brevemente voltarei a tocar no assunto.



sábado, 21 de maio de 2011

Tua janela

Paro diante
De uma janela fechada.
Diante da tua janela fechada.
O que se passa na paisagem escondida
Atrás das franjas de madeira
E daquela lâmpada apagada?
São azuis as paredes externas
Da tua casa de janela fechada.
Serão azuis as paredes de dentro do quarto
Com a luz apagada?
Desde a minha chegada vejo o teu rosto
Refletido nas paredes azuis
Da tua casa de janela fechada.

sexta-feira, 18 de março de 2011

ANIVERSÁRIO

- O que é isto?

- Uma flor.

- Mas é seu aniversário, por que me dá um presente?

- É pelos teus olhos tristes.

- Não entendi.

- A flor é para não seres triste. Tem cuidado com ela: se chorares, ela se desfará, pois é de papel.

sexta-feira, 4 de março de 2011

SOBRE O NÃO-RISO

Hoje canto para o teu desamor.

Eu, que setecentas vezes te avisei

Do perigo de correr com os pés nus

Sobre as pedras que não eram pedras

Queria rir, mas não posso.

Não bati tambor anunciando a tua queda.

Não rio da tua cara esborrachada.

Apesar da queda,

Levanto-te e te lavo

E te deixo chorar por sobre os ossos do meu ombro tolo.

Mesmo sabendo que os olhos perderão o inchaço.

Mesmo sabendo que partirás sem as sandálias que te dei,

Para caíres de cara novamente.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O BONÉ DO PREGADOR

- O senhor não pode passar por aqui. Tem um desvio lá na frente.

- Acidente, seu guarda?

- Não. Evento de crente.

- Hmm... que evento é esse?

- O pregador da televisão vem fazer milagres hoje de tarde. E ande logo, antes que te multe.

- Calma, seu guarda.

- Era pra eu estar lá, pra curar essa minha dor na nuca. Caminha, caminha!

 

            O cidadão comum prosseguiu até o local indicado pelo guarda, observando com curiosidade a procissão que se dirigia ao ginásio onde acontecia o evento. Homens de terno, gravata e boné, homens de calça jeans e camiseta, homens de bermuda e chinelo, mulheres de saias longas, saias médias, saias curtas, vestidos esvoaçantes, jeans e camiseta, e igualmente com bonés.

            A procissão levava seus doentes para receber a cura através do pregador. Eram cadeirantes, bengalantes, muletantes, todos em busca do milagre trazido pelo esperado homem. Acompanhando a procissão dos doentes havia a procissão dos acompanhantes dos doentes. Todos levavam sorriso no rosto, na esperança da cura de seus entes mais que queridos.

            Acompanhando a procissão que acompanhava a procissão dos doentes, havia a procissão dos vendedores. Vendiam de tudo, de gravatas a boleros, bíblias tradicionais, de capa preta de couro sintético, àquelas com capas coloridas para o público adolescente. Ou para o público adulto que ainda não cresceu.

            O cidadão comum ia até a empresa de telefone para cancelar sua assinatura. Ia. No passado. Não conseguiu vaga para estacionar. Rodou três vezes atrás de uma vaga, não havia. Havia macro-ônibus, ônibus, mini-ônibus, micro-ônibus, e até um – pasme – fusca-ônibus de Barrolândia, do qual desceram – pasme de novo – oito pessoas.

            Eram placas das mais diversas cidades, todos para receber a cura trazida pelo pregador da televisão. O cidadão finalmente estacionou, bem longe da empresa de telefonia, e voltou caminhando fustigado pelo sol das três da tarde. Não prestou atenção em muita coisa, pois a claridade o ofuscava. Em outras palavras, andou todo o percurso de cabeça baixa, alumiado que estava. Quando caiu em si, havia se embolado com um anúncio publicitário, rolando duas vezes no chão quente.

            Levantou-se com a ajuda do vendedor de bonés que estava ali no momento, e que, aliás, era o dono do anúncio. O cidadão arrumou o banner com bastante cuidado, para não danificá-lo mais do que a queda o fizera.

 

- Este senhor aqui no banner é o dono da marca dos bonés?

- Não, ele é o pregador internacionalmente famoso. Pessoa muito simples. Quase não usa terno e gravata. Sua marca registrada é o seu boné.

- Hmm... e quanto é o boné, amigo?

- Cinco reais, mas faço por quatro.

- O senhor está arrecadando fundos para a sua igreja?

- Que igreja? O irmão fulano da cidade xis é o dono dos bonés. Ganho vinte por cento nas vendas, e tá saindo mais que água mineral. O homem lançou moda!

- Hmm... me dá um boné aí, que o sol tá de rachar.

- Obrigado, irmão!

- De nada.

 

            O cidadão continuou sua caminhada. O boné reduziu os efeitos do sol e ele pode ver o que acontecia ao redor. Não havia mais lugar no ginásio, o que levava as pessoas a se acomodarem do jeito que conseguiam: na grama do canteiro central, na calçada, em cima dos carros, em cima uns dos outros, e a moça em cima do palco cantava “o milagre vai chegar até você”. Era cumprimentado por outras pessoas igualmente de boné, que o chamavam de irmão.

 

- Tens bom gosto para boné, hein?, e seguiu rindo o fiel, com sua camisa preta impecavelmente passada.

- ...

 

            Finalmente chegou à porta da empresa, e esta já estava fechada, devido a uma pane no sistema. Na porta lia-se o aviso: RETOMAREMOS NOSSAS ATIVIDADES NORMAIS A PARTIR DAS 08:00 DE AMANHÃ.

            Andou tudo aquilo e deu com a porta na cara. Sentou-se na calçada da empresa e observou o que se passava ao redor. Assim como ele, as pessoas caminhavam em busca da solução para seus problemas. Ele não conseguiu, mas voltaria no dia seguinte. E aquelas pessoas? Será que entendiam que o milagre era já a sua fé em Deus? Quis ter metade daquela fé.

            Levantou-se, deu de ombros e falou com ninguém:

 

- Não resolvi o meu problema, mas volto para casa de boné.

sábado, 29 de janeiro de 2011

O QUE COMEM OS ANJOS

            Dentro de uma casa improvisada, em uma invasão recente da área três, a criança sujinha trava um diálogo com sua mãe:

- Mãe, o que acontece quando a gente morre?

- Depende. Se fez coisas boas vai para o céu. Se for criancinha, como você, vira anjo.

- E o que anjo come?

- Anjo não come.

- A gente já é anjo?

- Não.

- E o que falta?

- As asas, minha filha. As asas.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

ALUMBRAMENTO

Era um alumbramento.

Juntava em torno de si todos os miniplanetas quando caminhava.

Dona de todas as cores era ela,

Até das que eu nunca imaginei saber.

Não perguntei seu nome,

Não no primeiro dia,

Pois os seus sapatos me meteram medo.

No segundo apenas observei, escondido atrás da moita dos meus óculos.

Quando, finalmente, ao terceiro dia,

O balão de aniversário do meu peito encheu-se de coragem,

Ela faltou ao trabalho.

Quando curei a preguiça que adoecia minha coragem,

Ela não foi.

Nunca saberei por que faltou.

Nunca saberei seu nome.

Mas o papel amarelado da minha memória sempre guardará

As cores das quais era dona,

E seus passos de mulher determinada,

Com aqueles sapatos que me meteram medo.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A CAIXA

            Era o dia mais esperado do mês: receberia, finalmente, a caixa. Esperou-a pacientemente durante quarenta e sete dias. Já era hora de chegar. Moveu-se o mais rápido que pode à portaria.

 

            - Chico, chegou alguma caixa pra mim?

- Não. – respondeu o porteiro com sua habitual expressão inalterável.

 

            Deu prosseguimento a todas as suas atividades previstas, voltou para casa e dormiu. No dia seguinte:

 

- Chico, alguma caixa pra mim?

- Não. – e sorriu discretamente para o morador.

 

            Fez tudo o que deveria fazer. Voltou para casa e dormiu. Era o terceiro dia.

            Quarto dia:

 

- Chico, alguma caixa pra mim?

- Hoje não. – o riso agora era evidente.

           

            “Estará este filho da puta rindo de mim?”, e seguiu para mais um dia de atividades. Voltou para casa mais cedo, para dormir mais cedo, e acordar mais cedo, a fim de não correr o risco de a caixa ser interceptada equivocadamente por algum outro morador.

            Quinto dia.

 

- Chico, algu...

- Não, não. – Chico já estava a se divertir com a presepada. – quem sabe amanhã, né? Tudo é uma questão de sorte! – o morador saiu contrariado, deixando para trás o porteiro que gargalhava.

 

            Fez tudo morosamente naquele dia. Enrolou até quando pode no trabalho. Chegou em casa mais tarde, assistiu a um filme qualquer na televisão, e dormiu depois da meia-noite. Acordou tarde naquele sexto dia, pois era domingo. Ninguém faria entregas no domingo.

            Decidiu almoçar fora. Ao cruzar a portaria, Chico o interpelou:

 

- A caixa chegou.

- No domingo?

- Sim, chegou cedo.

- Cadê?

- Os caras da transportadora disseram que só entregariam para o destinatário. Interfonei para o teu apartamento, mas ninguém atendeu.

 

- E a caixa?

- Levaram de volta.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

PRESTAÇÃO DE QUE?

Era mais uma tarde em meio a todos os papéis de prestação de contas. Duas loiras denominadas, respectivamente, de Loira 01 e Loira 02, organizavam o que parecia inorganizável.

Loira 01: Me dá furador?

Loira 02: Quer furar o que?

Loira 01: O olho do próximo que me aparecer aqui para entregar prestação de contas fora do prazo.

Desavisado: é aqui que a gente entrega prestação de contas?

Loira 01: ...