domingo, 6 de fevereiro de 2011

O BONÉ DO PREGADOR

- O senhor não pode passar por aqui. Tem um desvio lá na frente.

- Acidente, seu guarda?

- Não. Evento de crente.

- Hmm... que evento é esse?

- O pregador da televisão vem fazer milagres hoje de tarde. E ande logo, antes que te multe.

- Calma, seu guarda.

- Era pra eu estar lá, pra curar essa minha dor na nuca. Caminha, caminha!

 

            O cidadão comum prosseguiu até o local indicado pelo guarda, observando com curiosidade a procissão que se dirigia ao ginásio onde acontecia o evento. Homens de terno, gravata e boné, homens de calça jeans e camiseta, homens de bermuda e chinelo, mulheres de saias longas, saias médias, saias curtas, vestidos esvoaçantes, jeans e camiseta, e igualmente com bonés.

            A procissão levava seus doentes para receber a cura através do pregador. Eram cadeirantes, bengalantes, muletantes, todos em busca do milagre trazido pelo esperado homem. Acompanhando a procissão dos doentes havia a procissão dos acompanhantes dos doentes. Todos levavam sorriso no rosto, na esperança da cura de seus entes mais que queridos.

            Acompanhando a procissão que acompanhava a procissão dos doentes, havia a procissão dos vendedores. Vendiam de tudo, de gravatas a boleros, bíblias tradicionais, de capa preta de couro sintético, àquelas com capas coloridas para o público adolescente. Ou para o público adulto que ainda não cresceu.

            O cidadão comum ia até a empresa de telefone para cancelar sua assinatura. Ia. No passado. Não conseguiu vaga para estacionar. Rodou três vezes atrás de uma vaga, não havia. Havia macro-ônibus, ônibus, mini-ônibus, micro-ônibus, e até um – pasme – fusca-ônibus de Barrolândia, do qual desceram – pasme de novo – oito pessoas.

            Eram placas das mais diversas cidades, todos para receber a cura trazida pelo pregador da televisão. O cidadão finalmente estacionou, bem longe da empresa de telefonia, e voltou caminhando fustigado pelo sol das três da tarde. Não prestou atenção em muita coisa, pois a claridade o ofuscava. Em outras palavras, andou todo o percurso de cabeça baixa, alumiado que estava. Quando caiu em si, havia se embolado com um anúncio publicitário, rolando duas vezes no chão quente.

            Levantou-se com a ajuda do vendedor de bonés que estava ali no momento, e que, aliás, era o dono do anúncio. O cidadão arrumou o banner com bastante cuidado, para não danificá-lo mais do que a queda o fizera.

 

- Este senhor aqui no banner é o dono da marca dos bonés?

- Não, ele é o pregador internacionalmente famoso. Pessoa muito simples. Quase não usa terno e gravata. Sua marca registrada é o seu boné.

- Hmm... e quanto é o boné, amigo?

- Cinco reais, mas faço por quatro.

- O senhor está arrecadando fundos para a sua igreja?

- Que igreja? O irmão fulano da cidade xis é o dono dos bonés. Ganho vinte por cento nas vendas, e tá saindo mais que água mineral. O homem lançou moda!

- Hmm... me dá um boné aí, que o sol tá de rachar.

- Obrigado, irmão!

- De nada.

 

            O cidadão continuou sua caminhada. O boné reduziu os efeitos do sol e ele pode ver o que acontecia ao redor. Não havia mais lugar no ginásio, o que levava as pessoas a se acomodarem do jeito que conseguiam: na grama do canteiro central, na calçada, em cima dos carros, em cima uns dos outros, e a moça em cima do palco cantava “o milagre vai chegar até você”. Era cumprimentado por outras pessoas igualmente de boné, que o chamavam de irmão.

 

- Tens bom gosto para boné, hein?, e seguiu rindo o fiel, com sua camisa preta impecavelmente passada.

- ...

 

            Finalmente chegou à porta da empresa, e esta já estava fechada, devido a uma pane no sistema. Na porta lia-se o aviso: RETOMAREMOS NOSSAS ATIVIDADES NORMAIS A PARTIR DAS 08:00 DE AMANHÃ.

            Andou tudo aquilo e deu com a porta na cara. Sentou-se na calçada da empresa e observou o que se passava ao redor. Assim como ele, as pessoas caminhavam em busca da solução para seus problemas. Ele não conseguiu, mas voltaria no dia seguinte. E aquelas pessoas? Será que entendiam que o milagre era já a sua fé em Deus? Quis ter metade daquela fé.

            Levantou-se, deu de ombros e falou com ninguém:

 

- Não resolvi o meu problema, mas volto para casa de boné.