terça-feira, 27 de abril de 2010

O ANEL AMASSADO DE MIRTA AYALA

Dedicado a quem o ler primeiro 

Os olhos de Mirta Ayala estavam como chamas depois de tanto chorar. Lenço de papel na mão, quase que um bolo de celulose. Jamais pensara ser traída de tal forma, sobretudo no dia de seu aniversário. Faca nas costas. Dedo no olho. Dois melhores amigos a ponto de partir uma ponte, e ela nada pudera fazer a respeito.

Secreta festa para comemorar o aniversário de Mirta Ayala. Herval e Pedro acordam cedo. Herval de um lado, é como uma bala de mentos em garrafa pet de coca-cola, esperando sempre o momento de colidir e partir o gargalo. Pedro idem. Em comum possuíam corações tão grandes que poderiam guardar os segredos do mundo todo. No entanto, a língua de Herval era uma peixeira afiada, das que riscam o chão com um cordão de fogo, enquanto que a de Pedro poucas vezes fora desembainhada, e ardia em sua boca tal qual uma liga de ferro que, mesmo parecendo fria, consome em seu calor os desavisados que a tiverem em mãos.

Mirta nada sabia para além do barulho do condicionador de ar e dos seus sonhos confusos. Ergueu-se e coou café. Por ser domingo, o sol já estava alto e ela não se importava. Importava-se apenas em lembrar do cortado e embaralhado jogo de sua mente. Café de supermercado. Jamais seria como o que sua avó torrava nos fundos da velha casa e era preparado no coador encardido. “O que farei hoje?”, pensou. Fosse um dia de semana, almoçaria com as colegas de trabalho e seu amigo gordo, que nunca vira triste. Mas o domingo era diferente, com menos monóxido de carbono que o habitual, e menos alegria.

Herval e Pedro saíram juntos para a casa da doceira improvisada, e lá chegando, discutiram qual a maneira de tirar Mirta Ayala de casa. “Briga simulada!”, sugeriu Pedro, contando os detalhes de como ocorrera o suposto incidente entre os dois, frisando que Mirta nunca sai de casa aos domingos, por tomá-lo como o dia mais triste da semana. Bolo preparado e entregue, salgados também. Faltavam os refrigerantes e o vinho do Porto, para servir aos convidados, já que os três, Herval, Pedro e Mirta Ayala, não bebem. Correram ao supermercado, pois era quase meio-dia. Depois disso, nada de interessante.

Dezenove horas. Ringtone dos Rolling Stones. “Seus amigos estão prestes a se matar”, disse numa voz feminina, implorando a Mirta que acudisse. Nem tomou banho, vestiu-se como fosse à padaria, amarrou os cabelos que lavara mais cedo, enquanto a água para o café fervia. Estavam agora com caminhos de água. Roupa que precisava de ferro e cabelos também. Desceu do carro pronta para levar um soco ou tapa perdido, e bateu no portão, tão forte que amassou o anel barato que comprara na hora do almoço da última sexta-feira, presenteando a si mesma, como precisasse de afeto.

Portão aberto, “PARABÉNS PRA VOCÊ” com algumas vozes, flashes e nenhuma briga. E nenhum presente. Mirta chora. Procura o chinelo que perdeu ao descer do carro, senta-se e come um salgado. Muitos abraços e beijos, um lenço papel amarelo que cai em sua mão esquerda, mas nenhum presente. Festa em cima da hora, sem qualquer presente, e briga falsa. Mirta chora, tem os olhos agora vermelhos, enquanto se levanta para apagar a vela do bolo de sua festa de aniversário sem nenhum presente.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

UMA TAÇA NA NÉVOA


Ela, que poderia dizer de si amar bem mais do que seu próprio coração,
Ergueu os olhos agora vermelhos
Pelo cloro que em vão tentara higienizar a água suja que fluía chuveiro abaixo.
Lavou os cabelos com o xampu barato comprado horas atrás
E pensou em onde estaria e o que fazia seu amar.
Enrubesceu.
Não se sabe se de ciúme ou de desejo ou de vergonha.
A taça beirava o partir entre mãos trêmulas de adolescente,
Então caiu.
 
A água parou seu fluxo.
 
Silêncio de gotas teimando em pingar.
 
Vapor de respiração felina.
 
Taça partida.
 
Imagina no espelho nevoento o próximo desenho que fará
Nos seus cabelos amaciados pelo xampu barato.
Nada faz.
 
Sorri e parte. Apenas.
(Marabá, 14 de abril de 2010)