sábado, 18 de dezembro de 2010

ADELAIDE, COM Y NO FINAL.

                Cinco minutos para escrever a dor grande que sentia. Era o tempo que restava de bateria em seu computador de mão, naquela tarde esquisita, naquela tarde sem cigarras.

 

- Um café, por favor.

- Alguma preferência?

- Café com leite, menos leite que café, e adoçante no lugar do açúcar. A vida com adoçante é demasiado amarga.

 

                A garçonete riu daquela rabugice e foi preparar o café. “Agora me restam quatro minutos para dizer tudo que tenho para dizer”, pensou o poeta. Não sabia por onde começar, então começou pelo final: fim.

                O café chegou.

 

- Mais alguma coisa, senhor?

- Sim. Outro café.

                A garçonete repetiu o discurso anterior:

                - Alguma preferência?

- Sim. Café com leite, menos leite do que café e açúcar ao invés de adoçante. A vida com adoçante é demasiado amarga.

 

                A garçonete riu de novo e se dirigiu à máquina de café. O poeta continuava sem saber por onde começar. Prosseguiu de trás para frente: e depois de tudo isto, virá o fim.

                O outro café chegou.

 

- Mais alguma coisa, senhor?

- Sim, outro café.

- Alguma preferência, senhor?

- Café com leite, menos leite do que café, e açúcar ao invés de adoçante, pois a vida com adoçante é demasiado amarga.

- Rapidinho fica pronto, senhor.

                A garçonete não riu. Foi até a máquina, preparou o café e retornou.

- Mais alguma coisa, senhor?

- Sim. Um café puro, um copo de leite e o açucareiro. Deixa que o resto eu mesmo faço.

- Além disso, posso ajudar em mais alguma coisa?

- Já ajudou. Eu estava sem ideias para um novo texto, mas já sei sobre o que escrever.

 

Muito obrigado.

 

- A garçonete caminhou até o balcão, sem entender o que se passava.

- Garçonete, qual seu nome?

- Adelaide, senhor, com y no final.

- Adelaidy?

- Se pronuncia Adelaide, mas se escreve Adelaidy.

- Onde estão as coisas que pedi, Adelaidy?

- Estou indo senhor.

- Cadê o açúcar?

- Não temos açúcar, senhor.

- ...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

NASCEU

- Alô, tudo bom, amigão?

- Fale guerreiro. E aí, nasceu?

- Nasceu.

- E o que é?

- É gente.

- Como assim, gente?

- Gente, ser humano, etc.

- Gente eu sei que é, estou perguntando se é mulher ou homem.

- Nenhum dos dois.

- Hã?

- É uma menina.

- Ah, então é mulher.

- Mulher não: menina. Mulher será quando for adulta.

- Não vejo a hora da minha mulher ganhar também.

- Ganhar o que?

- Ganhar nossa criança.

- Você quer dizer parir, não é?

- Parir é coisa de vaca, de bicho. Minha esposa vai ganhar neném.

- Ah... então alguém vai dar um neném pra ela, é isso?

- Não, ora. Todos iremos para a sala de parto, onde...

- Opa, espera, pára tudo, puxa o freio de mão! Você disse sala de parto?

- Isso.

- E parto está relacionado com que verbo?

- Parir.

- Exato, parir!

- Olha, guerreiro, nunca parei para pensar nisso.

- Quase ninguém pensa.