quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A QUARTA CANTIGA DE SEU DESAMOR

Na cantiga dos peixes do aquário ela se perdeu. Não conseguiu lavar a contento o fundo de seu oceano particular. Ainda pingava o tanque de fibra, com restos de espuma na água encardida, enquanto os peixinhos dourados nadavam em círculos na vasilha de um real e noventa e nove centavos.

- Que foi, minha filha?

- Nada, só cansaço. – mas não era apenas um cansaço no corpo.

Era um cansaço surreal, a produzir as imagens da inquietude. Via o chefe, os copinhos de café, o barulho das impressoras matriciais, o telefone celular que tocava sua música mouca, e o reflexo de seu rosto pálido no monitor CRT do computador em que trabalhava. De repente todos os outros funcionários sustentavam aqueles pesados monitores ao invés de cabeças humanas.

“Será hoje à tarde”, pensou. “Devo ir ou não?”. Toca a campainha. Pelo interfone ela indaga o nome de quem estava do outro lado da porta. “Sou eu” – ela reconheceu a voz.

- Senta aí.

- Eu vim rápido, só para te pedir um conselho, pois você é a pessoa que considero mais competente quando se trata do coração.

- O que houve?

- Penso em pedir a Silvia em casamento. O que me diz?

- Há alguma coisa que te impede?

- Não, não há. Só a família, que não me aceita de jeito nenhum, porque sou mais baixo que ela.

- Sério? – e ela inevitavelmente riu.

- Seríssimo. Eles dizem que não querem ter netos baixinhos.

- E ela, o que quer fazer?

- Casar, ora.

- Então se case com ela, e torça para os filhos puxarem para a família materna. Desculpe, não pude perder a piada. Você me conhece.

- Tudo bem, então. Já me decidi. Vou casar. Agora vou andando, porque tenho que lavar o carro. Tchau.

- Tchau.

“Eu também me decidi. Não irei, para não me apaixonar. Mas não tenho coragem de telefonar e desmarcar. Vou fingir que adoeci.”

E assim permaneceu, recusando-se a receber carinho, a não ser dos peixes que nadavam em círculos. Essa seria a quarta vez.

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