Na cantiga dos peixes do aquário ela se perdeu. Não conseguiu lavar a contento o fundo de seu oceano particular. Ainda pingava o tanque de fibra, com restos de espuma na água encardida, enquanto os peixinhos dourados nadavam em círculos na vasilha de um real e noventa e nove centavos.
- Que foi, minha filha?
- Nada, só cansaço. – mas não era apenas um cansaço no corpo.
Era um cansaço surreal, a produzir as imagens da inquietude. Via o chefe, os copinhos de café, o barulho das impressoras matriciais, o telefone celular que tocava sua música mouca, e o reflexo de seu rosto pálido no monitor CRT do computador em que trabalhava. De repente todos os outros funcionários sustentavam aqueles pesados monitores ao invés de cabeças humanas.
“Será hoje à tarde”, pensou. “Devo ir ou não?”. Toca a campainha. Pelo interfone ela indaga o nome de quem estava do outro lado da porta. “Sou eu” – ela reconheceu a voz.
- Senta aí.
- Eu vim rápido, só para te pedir um conselho, pois você é a pessoa que considero mais competente quando se trata do coração.
- O que houve?
- Penso em pedir a Silvia em casamento. O que me diz?
- Há alguma coisa que te impede?
- Não, não há. Só a família, que não me aceita de jeito nenhum, porque sou mais baixo que ela.
- Sério? – e ela inevitavelmente riu.
- Seríssimo. Eles dizem que não querem ter netos baixinhos.
- E ela, o que quer fazer?
- Casar, ora.
- Então se case com ela, e torça para os filhos puxarem para a família materna. Desculpe, não pude perder a piada. Você me conhece.
- Tudo bem, então. Já me decidi. Vou casar. Agora vou andando, porque tenho que lavar o carro. Tchau.
- Tchau.
“Eu também me decidi. Não irei, para não me apaixonar. Mas não tenho coragem de telefonar e desmarcar. Vou fingir que adoeci.”
E assim permaneceu, recusando-se a receber carinho, a não ser dos peixes que nadavam em círculos. Essa seria a quarta vez.
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