segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SEDE, SUOR E SAL

                Era uma miragem. Só poderia ser. O avesso da meia noite, sol na cara, sede, suor e sal por todo canto. O carro vermelho parou e abriu sua boca gelada:

 

- Entra aí, tá todo suado! Tá indo pra onde?

 

            Olhou para esquerda, direita e para trás, procurando alguém, mas era com ele. Entrou no carro, pôs o cinto e fechou os olhos. The look of Love tocando, na voz da Diana Krall. Ouviu a música. Sentiu a brisa do ar condicionado. Parecia roteiro de cine privê, mas a música era boa e a temperatura também, então relaxou até o momento do aplauso.

 

- Amo esta música, sussurrou para a motorista.

- Eu também.

- Respondendo sua pergunta, estou indo para casa, almoçar e cochilar.

- Ok, indique o caminho que te deixo na porta, a menos que queira sugerir outro destino...

- Não consigo deixar de notar a marca da aliança recém-tirada. Quem rompeu com quem?

- O tempo nos rasgou no meio. De um que fomos, nos fizemos dois em tédio e ódio.

- Como alguém se entediaria ao lado de uma mulher interessante como você?

- Isso não é novela, amigo. Me sinto a mulher mais feia do mundo. Feia e velha.

- Quantos anos?

- Trinta e dois.

- Você não é velha, nem feia. Casou com que idade?

- Com dezesseis, convencida pela minha mãe, a “fisgar o bom partido”. Agora, dezesseis anos depois, veja como estou: um fracasso de mulher. Perdi minha juventude e beleza, não estudei, não fui feliz, e agora estou aqui com você. Quer me comer?

 

            “Pronto, agora é cine privê mesmo”, pensou. Era um rapaz de muitos escrúpulos no que tangia à alma feminina. Não suportaria ver uma dama chorar. Embora fantasiasse uma situação como aquela em seus momentos de solidão, que eram muitos, jamais seria invasivo com aquela jovem senhora, que gentilmente cedeu-lhe a intimidade de seu carro.

 

- Hã?

- Vai dizer que entrou no carro só por causa da carona? Quer me comer ou não?

- Podemos conversar mais um pouco?

- Não vai me dizer que, de todos os caras para os quais eu poderia dar carona, o que está aqui é gay, por favor...

- Não sou gay.

- Então, quer me comer ou não? Não sou gostosa o suficiente? Quando tinha dezesseis todo mundo queria me comer, mas não dei pra ninguém. Casei virgem, de branco na igreja e tudo. E de que adiantou? Nada. Casei sem foder e a vida fodeu comigo.

            - Você é muito bonita, a questão não é essa.

- E qual é a questão? Só para avisar, vou entrar no primeiro motel que aparecer.

- Não sou eu que estou no volante...

 

            Ela foi mesmo para o motel. Parou o carro na recepção, pediu a chave de um quarto caro, lá estacionou, desceu do veículo e deixou a porta aberta atrás de si.

 

- Ei, não é para baixar o toldo?

- Não tenho nada a esconder, você tem?

- ...

 

            O rapaz foi ao banheiro e lavou o rosto tantas vezes, que poderia ter ficado sem pele. Quando retornou, a mulher estava nua e era linda, exceto por poucas estrias de alguma gravidez precoce. Ele corou. Não soube o que dizer, e sempre tinha algo para falar. Era um náufrago, definitivamente.

 

- Não quer me comer?

- Sim, quero. E vou.

 

            O jovem atirou-se na cama de roupa e tudo. Beijou-a violentamente. Ela cravou as unhas em suas costas e quase o partiu no meio com a tesoura de suas pernas. O termostato acusava quarenta  e nove graus de excitação, derretendo bijuterias e alargadores de orelha.

            Então veio o inverno antes do outono. Ela parou, empurrou-o e, em meio às lágrimas de sua verdade doída, cobriu-se com o lençol de muitos casais, a soluçar. Sentindo nojo de sua morte em vida, continuou a carpir sobre seu próprio cadáver.

 

- Eu morri há dezesseis anos...

- Não, você está viva, embora muito confusa. Não viveu nem um terço do que pode viver. Ainda não te conheço, mas presumo que seja um botão castigado, que vai se abrir numa flor tardia. Só precisa de cuidado, carinho, atenção. Precisa ser reconhecida como mulher, e não como objeto.

- Será que ainda tenho chance?

- Claro que tem!

- Vamos nos vestir e ir embora?

- Vamos sim. Minha camisa tá meio rasgada, mas vamos.

 

            Ela pediu a conta e pagou. Saíram do motel, circularam por alguns minutos ouvindo qualquer coisa no rádio, mas sem conversar. Ela então toma a iniciativa:

 

- Você mora onde mesmo?

- Do outro lado da cidade.

- Aproveita e desce naquele ponto de ônibus que parece vazio. Foi um prazer te conhecer.

- Espera, não ia me levar em casa?

- Ah, isso era antes.

- Não vai ao menos me dizer seu nome?

- Não. Agora desce que vou ao salão, cuidar do cabelo e das unhas. Você abriu meus olhos. Desabrocharei.

- Não posso pegar ônibus com essa camisa rasgada, vão pensar que sou bandido.

- O importante é você ter a certeza de que não é. Agora desce.

- D:

- Tchau XD

- D:

 

            Pegou o ônibus cinquenta minutos depois, chegou em casa às cascas para comer, mas precisava de um banho para se livrar do sal e da sede. Banhou-se brevemente, bebendo a água morna do chuveiro, de modo a não perder tempo.

            Na cozinha não havia comida. Todos saíram para o restaurante. Na mesa branca de plástico, um bilhete.

 

Te esperamos, mas a fome era muita, então fomos sem você. Até mais tarde.

2 comentários:

Anônimo disse...

Porn XDDDDDDD

LOOOL euri...só eu pensei besteirinha quando vi o papo da carona desconhecida e a história de falar de casamento?

Muito bom,moral da história pra mim:

numa situação como essas tenha a certeza de pelo menos comer a mulher assim vc não sai com fome nos dois casos u.u

Unknown disse...

XDDDDDDD euri²

Essa Oy, ai ai ^^