terça-feira, 13 de julho de 2010

O MENINO E AS CINZAS

Sob o céu o menino tenta catar as cinzas do que fora mato, do que fora grama, do que fora flor. Sob as telhas quebradas o menino tenta desenhar estrelas no papelão da caixa de detergente em pó.

- Caminha, menino, vai banhar!

- Já vou.

Mas ele não vai, é teimoso. Brinca e tosse ao deixar cair sobre si a neve negra das queimadas que logo serão pastos. Ele nada sabe sobre neve, queimadas ou bois. Mas pensa que neve é algo que cai do céu e não é chuva. Pode ser branca ou preta. Não sendo chuva, é neve.

- Vovó, estão queimando o céu?

- Caminha menino, vai banhar logo, que tua mãe já tá chegando! Pergunta besta... não dá pra queimar o céu!

Diante da tina, tira o calção. Nem sabe por que tosse. Estão queimando o céu? Há cinzas na água também. Há cinzas por todos os lados.

- Vovó, é o apito do trem que faz a cinza cair?

E a avó esfregava o sabão em barra como se quisesse lavar a mente daquele menino de tantas perguntas.

- Não, meu filho, o apito avisa que o trem já vai ou que já vem.

- Então, vovó, quem está queimando o céu?

- Ninguém, menino, agora vai pegar um calção limpo pra vestir.

- Vovó?

- Oi, menino!

- A gente pode chover de baixo pra cima pra molhar o céu?

A senhora pequena, curvada pela força dos anos, esfrega a toalha na cabeça do menino. “Chover de baixo pra cima, só criança pra pensar uma coisa dessas mesmo”.

- Agora vai ver televisão, vai. E não se suja! (vai ver televisão que você não pensa mais na tosse, nem nas cinzas, nem na fome).

Nenhum comentário: